sábado, 1 de maio de 2010

Psicólogo no sistema penal : perito ou profissiOnal da saúde?

O PSICÓLOGO NO SISTEMA PENAL: PERITO OU PROFISSIONAL DA SAÚDE?

Querem atribuir ao psicólogo “tarefas” que não lhes dizem respeito aí ele vai parar no “pequeno tribunal” da Comissão Técnica de Classificação - CTC (composta por psicólogo, assistente social, psiquiatra e mais dois chefes de serviço) local, inclusive, de avaliação disciplinar do preso, via Lei de Execução Penal (LEP).
A contribuição do psicólogo deve se dar no campo da saúde mental e não pode ficar atrelada à LEP, que nem fala da assistência psicológica, deixando estes profissionais apenas no campo da execução da pena.
Após estes apontamentos uma questão precisa ficar clara: quem é o nosso cliente?
I – é o preso que vive angustiado sabendo que cada ano na prisão, em virtude dos diferentes transtornos que vivencia, corresponde a muito mais do que o estabelecido pelo judiciário?
II – é a administração da prisão que nos envia o preso alegando que ele precisa de conselho já que não quer aceitar as “normas da prisão”?
III – é o funcionário, que vez por outra entra na sala da psicologia, pede ajuda, é acolhido, indicado para outro lugar e recusa alegando que quer se tratar ali?
IV – é a instituição, com sua construção arquitetônica, sua “geografia” e sua “anatomia” projetadas para controlar presos, funcionários, visitantes, colaboradores e estagiários com alguns gestores munidos de paranóias, lógicas perversas e autoritarismo?
V – é o juiz que poderia utilizar-se de outros recursos quando da ocasião de conceder benefícios e no entanto insiste na perspectiva do Exame Criminológico, querendo que o psicólogo diga e garanta que o interno não voltará a delinqüir?
VI – é o Estado pedindo que se ortopedize, normatize e disciplinarize o preso com a colaboração de uma psicologia de cunho positivista e em nome de uma filosofia intitulada “tratamento penitenciário” e que a gente colabore com o encarceramento?
O Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (Portaria Interministerial Nº 1777 de 09/9/2003) aponta a Psicologia no Artigo 8º dizendo que: “a atenção básica de saúde, a ser desenvolvida no âmbito das unidades penitenciárias, será realizada por equipe mínima, integrada por médico, enfermeiro, odontólogo, assistente social, psicólogo, auxiliar de enfermagem e auxiliar de consultório dentário”.
Mesmo com estas propostas o Estado não se organizou para recebê-las, não iniciou uma política de saúde, não capacitou unidades e nem convidou seus profissionais para que opinassem qual a melhor estratégia a ser utilizada neste novo horizonte que despontava.
O sistema penal está assentado em um terreno difícil. Neste terreno difícil e pantanoso encontramos o psicólogo, muitas vezes convocado a fazer exame criminológico onde este profissional deverá apontar o que o preso fará quando sair da prisão. O futuro é imprevisível! E como podemos excluir do campo científico a variação?
É preciso entender o que é o Exame Criminológico, a quem interessa e o que será feito com esse conjunto (o parecer, o preso e o profissional que carimba e assina tal documento)
Não podemos fazer de nossa escrita, nem do exercício de nossa profissão uma prática que exclui, produz estigma, coloca rótulos, carimba e contribui com a exclusão social, com a marginalização e a criminalização, vendo isso tudo (a história do Exame, sua existência, feitura, conteúdo, e exposição) como natural, pois é uma violência aos direitos humanos.
Não podemos sair psicologizando tudo e todos, patologizando a população carcerária porque sua grande maioria é constituída de pessoas “absolutamente comuns”, que apenas devem ser responsabilizadas pelos seus atos.
O trabalho do psicólogo no sistema penal é um dos pressupostos básicos no “cuidado” do preso, no sentido de garantir a ele um espaço de reflexão, de reconhecimento e questionamento de suas inquietações, mudança de lugar, se achar conveniente.
É preciso que haja um suporte aos internos portadores de qualquer tipo de doença, principalmente as mais graves e que se constitua uma equipe de saúde onde possam trabalhar, médico, assistente social, psicólogo, agente de saúde, enfermeiro e outros que se façam necessários, mas é preciso que se esclareça que o psicólogo tem o seu lugar delimitado nesta equipe.
Nesta equipe multidisciplinar o psicólogo pode contribuir no atendimento ao preso, seu parceiro, sua visita, seus familiares, principalmente os pacientes mais graves, trabalhando suas angústias, a questão da morte, o medo da morte, o medo de se ver freqüentemente diante da morte, impossibilitado de estar neste momento de grande sofrimento junto dos seus entes que de alguma forma poderiam ajudar a diminuir o seu sofrimento, que se sabe, não é pouco, posto que além de ser portador de uma doença que discrimina, (os portadores do vírus da AIDS) ainda é um preso, sem direito a nada, sem direito a morrer com dignidade, sem o direito a ter vivido com dignidade, sem o direito a ter vivido. Se é que me faço entender.
O lugar do psicólogo é o de descobrir com o preso como ele pode sair do lugar de sofrimento que no momento ocupa (se assim entender e quiser) encaminhá-lo para outros locais demandados.
O psicólogo reclama de fazer parte da CTC, porque esta muitas vezes, se constitui sobre uma lógica perversa, onde o preso já chega punido sem mesmo ter sido ouvido e/ou defendido e ele nesse lugar não tem nada a acrescentar, além de ser um lugar altamente desconfortável para quase todos, “salvo para aquele que sente prazer em ver a dor do seu semelhante”. É o mal estar na instituição.
O psicólogo reclama quando não está desempenhando alguma atividade que não seja pertinente à Psicologia (e na CTC disciplinar não estamos) precisamos cuidar disso agora porque da maneira em que vamos podemos produzir cicatrizes em nós mesmos, sem contar o ferimento que provocamos em nosso Código Profissional. E vai ser difícil conseguir algum tipo de cirurgia reparadora para nos reorganizar ética e humanamente.
Como diz Santos: “o lugar do psicólogo é o de facilitador na construção de um espaço psíquico e de reflexão promovendo a saúde e melhor qualidade de vida não somente para a pessoa presa mas, para a coletividade.”
É certo que os psicólogos precisam discutir várias questões tais como: psicoterapia na
prisão. Cabe? Deve existir? Deve ser breve ou não? O atendimento é apenas para dar um suporte? Qual o número ideal de sessões para o atendimento ao preso? Que quantidade de tempo na sessão? Como lidar com as questões éticas? Como abordar e o que fazer com certos temas trazidos pelo preso? Qual a melhor “teoria psi” para atendê-lo? O que fazer com o material registrado? Atender funcionário ou não? Por quê? Que técnica utilizar na assistência? Existe alguma técnica mais apropriada? Quando interromper um atendimento? Quem é o cliente?
Há muito que queremos incluir a assistência psicológica na LEP e no Regulamento Penitenciário. Isto é um desejo. Mas é preciso estar atento para o grande desafio que continua sendo o de não se comprometer, segundo Santos, com qualquer proposta, “mesmo que esta proposta venha revestida de tratamento penitenciário.”
Valdeque Santos
Psicólogo 5/6574

Nenhum comentário:

Postar um comentário